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‘Fiz menos do que gostaria, pois herdei uma dívida colossal’, diz Crivella em entrevista a Lauro e Gabeira

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Na segunda entrevista da série dos colunistas do GLOBO com candidatos que disputam o segundo turno em Rio e São Paulo, o prefeito do Rio e candidato à reeleição,  Marcelo Crivella (Republicanos), atribui os problemas em sua administração à herança deixada pelo antecessor e adversário nas urnas,  Eduardo Paes (DEM). O atual prefeito reconhece a própria falta de experiência ao assumir a gestão do município, há quatro anos, mas defende que seria agora o nome mais preparado para continuar a enfrentar a pandemia da Covid-19 e cita realizações na Saúde.

Entrevista Paes‘A tragédia da cidade é gravíssima. Nunca vi o Rio assim’

O crescimento de casos da Covid-19 traz dois problemas para os prefeitos: o fato de a campanha ser muito intensa, e o trabalho contra a pandemia também exigir muito; e que certas medidas nem sempre têm resultado eleitoral positivo. Como o senhor enfrenta os problemas?

Desde que começou a pandemia, temos um comitê científico que está permanentemente recebendo as curvas de controle da doença: ocupação de leitos de enfermaria e de leitos de UTI, óbitos e consultas em toda a rede primária. À medida que essas curvas apontam para determinado risco, as medidas são tomadas sem interferência política, seja em período eleitoral ou fora dele. É matemático: bateu certo ponto, volta o afastamento social. No Rio, temos dois hospitais preparados para o problema da Covid-19: o (Hospital Municipal Ronaldo) Gazzolla e o hospital de campanha no Riocentro. Temos plena capacidade de atendimento. No ano passado, comprei muitos equipamentos e pude instalar tomógrafos na Rocinha, Cidade de Deus, Maré, Rio das Pedras… Temos uma equipe que está há dez meses enfrentando a situação. Então, eu faço um apelo ao povo do Rio: não é hora de trocar o prefeito. Peço às pessoas que pensem nisso na hora de decidir o voto

As milícias têm poder cada vez maior na cidade, e uma das ações que o prefeito pode tomar quanto a isso é no caso das construções irregulares. Qual é o seu compromisso para reduzir esse poder?

O colunista Lauro Jardim entrevista o prefeito e candidato à reeleição, Marcelo Crivella Foto: Ana Branco / Agência O Globo
O colunista Lauro Jardim entrevista o prefeito e candidato à reeleição, Marcelo Crivella Foto: Ana Branco / Agência O Globo

No meu governo, demolimos mais de 200 casas e edifícios. Só na Muzema, foram mais de 20 prédios. Aqueles que não consegui demolir é porque a milícia adota a estratégia de colocar pessoa morando, e ela entra na Justiça dizendo que é o único bem que tem. Você pode dizer: mas o prédio não se constrói de um dia para o outro, certo? Pois é, começou no governo do Eduardo (Paes).

Todos os prédios começaram no governo Eduardo Paes? Nenhum foi erguido no seu período como prefeito?

Fiscalizei tudo. Foram centenas (demolidos), posso te garantir que prédios de oito andares, de quatro andares… Uma casa ou outra pode ter passado. Houve prédios que eu tentei demolir, a Justiça não permitiu, desabaram e houve mortes. A milícia cresce no início quando políticos, e Eduardo era um deles, achavam que era uma saída. Lá atrás isso começa, achando que era a solução do problema.

Como prefeito, o que o senhor fez pelas favelas do Rio?

O que aparece são Olimpíadas, Copa do Mundo, Museu do Amanhã…. As obras que eu fiz geralmente não aparecem. Mas eu continuei o Cimento Social. No Morro da Coroa, há centenas de casas que fizemos. Continuamos também no Morro da Providência. O fato é que fiz muito menos do que gostaria, porque herdei uma dívida colossal de R$ 7 bilhões para pagar em quatro anos, e a arrecadação caiu R$ 10 bilhões. Na última hora, Eduardo tirou o Morro da Providência da PPP do Porto Maravilha. O Porto, que estava orçado em R$ 2 bilhões, custou R$ 5 bilhões. Na Lava-Jato, os delatores disseram que as obras das Olimpíadas eram multiplicadas por 2,2. O objeto do contrato não era a obra, era a propina.

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O senhor gravou um vídeo com acusações de que, em caso de vitória de Paes, haveria acordo para o PSOL assumir a Secretaria de Educação e que isso resultaria em “pedofilia nas escolas”. O que quis dizer com isso?

Houve um projeto que começou a tramitar na Câmara dos Deputados, do Estatuto da Família do Século XXI. Pela forma como foi escrito, dá a possibilidade de avô se casar com a neta. Esse projeto teve apoio do PSOL. (O projeto, na verdade, é de autoria do deputado Orlando Silva, do PCdoB, e destina-se à união de pessoas do mesmo sexo, sem autorizar relações incestuosas ou pedofilia). Temos que ficar atentos a tudo isso, para não corrermos o risco de amanhã vermos esses assuntos sendo debatidos ou abordados. A aliança do Eduardo com o PSOL inclui também a ideologia de ambos os partidos, e quanto a isso eu os admoesto.

Mas não houve nenhuma aliança explicitada entre Paes e PSOL, e nenhum projeto aprovado na Câmara implicaria em pedofilia nas escolas. Não existe a mínima condição de algo desse tipo ser aprovado.

O jornalista Fernando Gabeira entrevista o prefeito Marcelo Crivella Foto: Luiza Moraes / Agência O Globo
O jornalista Fernando Gabeira entrevista o prefeito Marcelo Crivella Foto: Luiza Moraes / Agência O Globo

Esse projeto trouxe pavor a todos, sobretudo aos evangélicos. A questão da família é muito cara a nós. Eu afirmo a você que respeito a decisão de cada pessoa com relação à sua sexualidade, e se Deus os ama, e tenho certeza que os ama, eu não sou absolutamente capaz de os desprezar. Amo-os também, porém com direito a discordar. E isso é o que eu procuro, com educação e respeito, expressar.

O senhor planeja ter maior representatividade de negros em seu governo?

Meu secretariado sempre teve negros. Fui o primeiro branco a fazer reuniões no Soweto (periferia de Joanesburgo, na África do Sul), na época do apartheid. No meu coração, (está) fazer com que os negros do Brasil sejam redimidos desse passado inglório. Sucessivas gerações de negros e pobres criaram as riquezas desse país e delas não participavam. A herança que nos deixaram é o samba. Infelizmente, as pessoas acham que o Crivella não gosta de samba. Eu gostava muito de um samba do Salgueiro, de 1971, que dizia: “Essa noite ninguém chora/ E ninguém pode chorar/ Que beleza/ A nobreza que visita o gongá”. Eles diziam para nós o seguinte: estamos passando momentos tão difíceis, e estamos construindo a riqueza do país, e mesmo quando a nobreza que nos explora vier nos visitar, não vamos nos agachar, nos diminuir.

O senhor discorda, então, da visão do presidente Jair Bolsonaro e do vice Hamilton Mourão, de que não haveria racismo no Brasil?

Se for comparar com o regime de segregação que encontrei na África do Sul, isso (racismo) realmente é muito menor. Conseguimos vencer isso exatamente pelo poder que o brasileiro tem de ser miscigenado. Mas temos na nossa sociedade uma dívida muito grande, e temos que nos redimir dela. Os índices de desenvolvimento econômico, acesso a universidades, moradia, vulnerabilidade e violência, infelizmente incidem em percentual muito maior na comunidade negra. São números, são coisas inegáveis.

As pesquisas apontam grande rejeição à sua administração. Qual é a estratégia para se recuperar no segundo turno?

É mostrar que a rejeição vem exatamente da minha ação contra monopólios estruturados no Rio. Tive que lutar contra o VLT, Liesa, Fetranspor, Lamsa, Invepar… Eu contrariei a Globo. Na época do Eduardo, ele deu R$ 150 milhões de publicidade. Eu nem tinha esse recurso, mas também sou honesto: se tivesse, não poria esse dinheiro. (Nota do Grupo Globo: “Seguindo seus princípios editoriais, o jornalismo do Grupo Globo é independente e está dissociado de negociações de verbas publicitárias.”)

Mas o senhor teve só 21% dos votos válidos no primeiro turno. Se os eleitores estivessem satisfeitos com a gestão, eles votariam no senhor, não?

Quando você contraria interesses econômicos, eles vão fazer boca de urna. Mas os políticos sabem que a boca de urna não tem muita efetividade se não for acompanhada de um argumento adicional: que o adversário “está morto”, tem 70% de rejeição. Aí as pessoas pensam: “De repente, o outro oferece um emprego, faz alguma coisa aqui na rua”. Posso ser o prefeito chato, que não vai ao carnaval, mas uma coisa ninguém pode negar: sou preocupado, faço oração, vou à igreja, estou sempre em contato com as pessoas mais carentes. Tive um governo muito difícil, com R$ 15 bilhões a menos, mas se tiver a chance, se Deus permitir e o povo do Rio decidir, vou fazer um governo muito melhor. Eu era inexperiente. Já aprendi, apanhando muito.

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