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A disputa entre a prefeitura e a Lamsa pelo controle da Linha Amarela — uma novela que se arrasta há um ano e que, em um dos episódios mais dramáticos, contou até com a destruição da praça do pedágio por retroescavadeiras do município — chega nesta quarta-feira ao capítulo final. A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) vai decidir se a via expressa, que liga as Zonas Norte e Oeste, continuará nas mãos da prefeitura, que retomou a administração no dia 16 de setembro, ou se voltará para a concessionária.
Ainda não se sabe se o imbróglio terá “cena extra”, caso uma das partes apele para o Supremo Tribunal Federal (STF). Mas o certo é que o resultado desta quarta-feira irá afetar a vida de milhares de cariocas — são 300 mil veículos que passam por dia pelo local. Se a concessionária vencer, a cobrança do pedágio, que está suspensa, deverá ser retomada imediatamente. Caso o Executivo municipal ganhe, precisará explicar como vai manter a operação e conservação das pistas, que custam cerca de R$ 100 milhões anuais. Especialistas ouvidos pelo GLOBO avaliam que a prefeitura não tem condições de manter o padrão do serviço oferecido.
A julgar pelo período em que o município está à frente da administração, os usuários terão dificuldades. A prefeitura só fez 39 atendimentos a carros enguiçados, socorreu dez veículos com pneus furados e um com falta de combustível desde que assumiu. A concessionária, no mesmo período, prestou 890 assistências a veículos, fez 61 atendimentos médicos e realizou 149 ações de manutenção.
A preitura está preparada para assumir a via? Vai conseguir manter o mesmo nível de serviço? Ou será que daqui a dois meses vai estar com a iluminação apagada e buracos na pista? Essa situação é muito prejudicial para todas as partes, mas principalmente para o cidadão, que fica em meio a uma indefinição, se isso é uma discussão política ou técnica, se vai reduzir custos ou se, no fim das contas, vai aumentar — afirma o economista André Luiz Marques, do Insper.
O também economista Claudio Frischtak, presidente da consultoria de negócios Inter.B, alerta para o fato de que a discussão sobre o processo de encampação da Linha Amarela acentua o grau de insegurança jurídica dos contratos, e poderá não apenas frear investimentos, como se voltar, no futuro, contra os próprios usuários da via:
A prefeitura já está numa situação fiscal extremamente frágil e tem dificuldade de se incumbir de coisas básicas, como a conservação das calçadas e pistas esburacadas. O próprio prefeito alega falta de recursos, então assumir a Linha Amarela dessa forma é algo completamente irracional — avalia.
Carro parado
Quem trafega pela Linha Amarela vê que a disputa nos tribunais também se dá na pista. Mesmo com sua logomarca coberta por plástico pela prefeitura, a Lamsa continua fazendo atendimentos, na esperança de que a decisão judicial se reverta favoravelmente. Na última segunda-feira, foi a concessionária que socorreu o motorista de uma caminhonete em pane, já que o único veículo da prefeitura, estacionado junto à sede da Lamsa, estava desocupado e desligado.
A queda de braço entre o município e a Lamsa percorreu um longo e tortuoso caminho nos tribunais. Na decisão mais recente, no dia 24 de setembro, o presidente do STJ, Humberto Martins, negou o pedido da Lamsa para reassumir a operação da via. A prefeitura alega ter sofrido um prejuízo de R$ 1,7 bilhão com um contrato oneroso e diz que este valor pode, por si só, ser considerado uma indenização à concessionária pelo fim da concessão. A Lamsa havia conseguido uma liminar que impedia a encampação até que a indenização fosse estabelecida, mas o presidente do STJ disse que o município apresentou garantia de R$ 1,3 bilhão. Uma perícia judicial vai apontar o valor da indenização devida. A prefeitura ainda não tem previsão de quando voltará a cobrar o pedágio e também ainda não informou qual será o novo valor. A Lamsa arrecadava cerca de R$ 1 milhão por dia com a cobrança.
Funcionários aflitos
A indecisão sobre o futuro da Linha Amarela também é motivo de angústia para os cerca de 500 funcionários da concessionária. Embora o prefeito Marcelo Crivella tenha dito em entrevistas coletivas que irá permitir que eles continuem trabalhando, caso a via seja de fato encampada, muitos têm receio de que a promessa não se cumpra.
Na empresa há quase dois anos e meio, José Leandro saía de casa todos os dias às 4h30. Após percorrer quase 20 quilômetros, às 6h em ponto já estava dentro de uma das 16 cabines da praça do pedágio, em Água Santa, para mais um dia de trabalho.
É um dia de cada vez. Estamos apreensivos e não sabemos o que vai acontecer. Caso não se chegue a uma conclusão, estamos temendo pelo nosso emprego. Tenho um filho de três meses. Como criar um bebê sem trabalho? Se antes da pandemia já era difícil conseguir algo, imagina durante — desabafa o operador de cabine de pedágio.
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Anderson Ferreira, 34, também operador de cabine, que trabalha na concessionária há quase um ano, revela ter o mesmo receio.
Na prática, não é tão simples assim e todo mundo sabe disso. A prefeitura é um órgão público e ela não vai colocar só pessoas de cargos de comissão para trabalhar no pedágio. A gente, para trabalhar no município, teria que passar por um processo de concurso, nomeação e contratação. Então, acreditamos que isso não vai acontecer (de todos os funcionários serem absorvidos). Por isso, o medo e insegurança (de sermos demitidos) caso não haja acordo — diz Anderson.