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Cariocas que deixaram o Rio voltam e apostam na recuperação da cidade

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Você ficou maluco?” A pergunta, repisada por parentes e amigos, não desanimou o engenheiro carioca Ricardo Brigante, 40 anos. Funcionário da multinacional de gases industriais Linde, ele trocou a terra natal pelos Estados Unidos em 2016 e, desde então, levava vida de comercial de margarina nos arredores de Houston, Texas. Naquela rotina cercada de confortos do Primeiro Mundo, porém, faltava algo. Após muita conversa em casa, Brigante decidiu aderir a um plano de demissão voluntária e, ao lado da mulher e do filho, aportou no Rio no último dia 13 de dezembro. Chegou para ficar, desempregado e feliz. Sem alarde, na contramão das estatísticas, cariocas — da gema ou por adoção — vêm fazendo esse movimento de retorno sem pestanejar. Voltaram a morar nestas praias em tempos de crise econômica, polarização política, violência urbana e ainda água suja jorrando das torneiras. “Você ficou maluco?”, ouviram, mas não deram bola. Eles desembarcam cheios de saudade de uma cidade plural, acolhedora, rica em história e cultura, e estão dispostos a tudo para reencontrá-la. A experiência dessa turma aponta saídas — e nenhuma delas passa pelo Galeão.

O engenheiro Ricardo Brigante: o reencontro com os hábitos cariocas já compensou Leo Lemos/Veja Rio

A maré, como se sabe, não anda mesmo boa. Às crises nacional e mundial, o Rio de Janeiro acrescentou um rosário de tormentos próprios. Ali pelo início dos anos 2010, o cenário era, curiosamente, de altas expectativas, beirava a euforia. Novos negócios brotavam na área do petróleo, aliados aos preparativos para a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016, alavancando as estimativas de investimentos no estado para além de 180 bilhões de reais. O Rio parecia que ia finalmente decolar, como apostou a icônica capa da revista inglesa The Economist, em 2009, com o Cristo Redentor descolando-se do Corcovado como um foguete. Em 2013, o monumento-foguete reapareceu desgovernado na capa da mesma publicação. Seguimos ladeira abaixo, bombardeados por vultosos desvios flagrados na Operação Lava-Jato, governantes na cadeia, desequilíbrio das contas públicas, desemprego e outras mazelas. Nestes últimos quatro anos, Ricardo Brigante estava longe, na sossegada periferia de Houston. “Às 8 e meia, 9 da noite, era um silêncio, as casas todas fechadas, jardins vazios. Ficava imaginando essa vizinhança no Grajaú, onde nasci. Ia ter cadeira na porta, conversa fiada, churrasquinho”, lembra. Que ninguém se engane: a família Brigante viveu bons momentos, pessoais e profissionais, nos Estados Unidos. Mas, posto tudo na balança, venceu o Rio. “Queria que meu filho tivesse contato com a família, com as origens. Além disso, sempre curti essa característica só nossa de encontrar os amigos sem marcar, na rua, no samba, no botequim”, conta ele.

Guilherme e Bia: o casal decidiu deixar a vida em Nova York para abrir um espaço cultural no Rio
Guilherme e Bia: o casal decidiu deixar a vida em Nova York para abrir um espaço cultural no Rio Leo Lemos/Veja Rio

Feliz feito pinto no lixo, o engenheiro planeja empreender. Embora tenha ouvido mais uma vez a fatídica pergunta (“Você ficou maluco?”), está decidido a investir na cidade. “Vai ser algo que una minhas paixões, bar, música, encontros com amigos”, despista. Bia Monteiro e Guilherme Martins Pinheiro já começaram: em agosto de 2019, o casal abriu o Abapirá – Mercado de Textos e Imagens, espaço para exposições e oficinas, além de editora artesanal. Ela é artista plástica e já exibiu suas obras em galerias na Alemanha, China, Estados Unidos, Itália e Japão, e ele, advogado convertido ao estudo crítico da arte. Em 2014, com os dois filhos, deixaram o Rio por Nova York, onde Bia fez mestrado em artes no International Center of Photography (ICP). A partida soava definitiva, tanto que eles venderam a casa onde moravam. Outro imóvel da família, um espaçoso sobrado do século XIX na Rua do Mercado, permaneceu fechado. “É uma construção tombada, tem custo baixo, não pagamos IPTU, e eu não queria transformá-la em bar ou restaurante”, diz Bia. Na volta ao Rio (motivada pela falta que sentia “do calor humano, da disponibilidade emocional, de andar descalça”), o casarão aguardava o casal.

Os cariocas repatriados buscam encantos da cidade que não existem fora daqui, mas não fecham os olhos para o leque de problemas. Paulo Barcellos, 43 anos, perde a linha com a sujeira que encontra nas praias. “O carioca não pensa nos outros, curte a praia e deixa seu lixo lá, reclama do governo mas não paga imposto”, bronqueia o campeão mundial de bodyboard de 2000, hoje requisitado fotógrafo aquático. Barcellos nasceu em São Paulo, mudou-se para o Rio aos 9 anos, foi morar na Barra, à beira-mar, e nunca mais quis outra vida. Levado pelo circuito de competições, cumpriu temporadas no Havaí atrás das altas ondas e acabou ficando por lá durante oito anos. Depois de voltar para o Rio, celebrou o Natal com a família, em 2019, pela primeira vez em mais de duas décadas. “Este é um dos lugares mais lindos do mundo. Os políticos passam e a cidade fica. Voltaremos a ser grandes, é questão de tempo”, acredita.

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