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O decreto da prefeitura que permitia os espaços vips nas areias da orla durante o Reveillon foi suspenso pela justiça. Na tarde desta segunda, o vice-presidente do Tribunal Regional Federal – 2ª Região (TR2), desembargador federal Messod Azulay, proferiu liminar atendendo a um pedido em ação popular, ao entender que não houve estudo de impacto ambiental ou consulta a órgãos municipais, estaduais e federais antes da autorização de ampliação da área do quiosque para festas. O desembargador também destacou que a legislação sobre faixa de areia é de prerrogativa da União. Advogados ouvidos pelo GLOBO concordam com a decisão. Já a Procuradoria Geral do Município (PGM) respondeu que vai recorrer ao Superior Tribunal de Justiça (STJ).
O decreto 47.026, do último dia 19 de dezembro, havia provocado reações desde o início. Após a publicação, a Superintendência do Patrimônio da União (SPU) expediu ofício questionando a prefeitura sobre o ato administrativo, alegando que a Marinha seria a responsável por autorizar ou não esse tipo de isolamento. Com o decreto, cada quiosque teria licença para cercar uma área de até 300 metros quadrados na areia. Isso significa que, somente em Copacabana e no Leme, onde há 45 quiosques, é possível que até 13.500 metros quadrados — o equivalente a dois campos do Maracanã — estejam isolados na festa da virada.
Para conseguirem a autorização, os quiosques precisariam pagar a Taxa de Uso de Área Pública (Tuap), além de garantir o recolhimento do Imposto Sobre Serviço de Qualquer Natureza (ISS). A expectativa da prefeitura era receber cerca de R$470 mil com essa arrecadação. Nas últimas semanas, quiosques já estavam anunciando os “espaços VIPs”, com ingressos entre R$500 e R$800.
Procurado, o Ministério Público do Rio respondeu que abriu um procedimento sobre o decreto, mas que o assunto foi declinado ao Ministério Público Federal. Entretanto, foi uma ação popular, movido pelo advogado José Antônio Seixas da Silva, de Magé, que culminou na liminar de suspensão. O autor argumentou que o decreto não passara por autorização dos órgãos municipais, estaduais e federais de cultura, patrimônio e meio ambiente, como exige o artigo 225 da Constituição. O desembargador Messod Azulay concordou com o pedido.
Além disso, o desembargador disse, em sua decisão, que o decreto não possui “força normativa para autorizar a privatização do espaço público, mormente no caso em questão, cuja titularidade sequer se atribui à Prefeitura, mas à União”. A decisão é de caráter liminar, ou seja, vigora enquanto não houver o julgamento do mérito. O magistrado ainda estipulou multa diária de R$5 milhões para a prefeitura, se a ordem não for cumprida.
Por outro lado, a PGM, procurada, explicou que o município poderia regular a faixa de areia, conforme inciso VIII do artigo 30 da Constituição:
“A competência para regular o uso do espaço urbano é dos Municípios. Sendo assim, o Município pode legislar em prol do interesse local”, respondeu a PGM em nota. Após a notícia da suspensão do decreto, a procuradoria afirmou que vai recorrer ao STJ.
Procurada, a SPU respondeu que a prefeitura não se manifestou em relação ao ofício encaminhado, até essa quinta. E complementou que não encontrou “violações à legislação federal no que diz respeito a “cercados vips”. Vale mencionar, porém, que os cercadinhos só começariam a ser montados no próprio dia 31, conforme os próprios quiosqueiros explicaram ao GLOBO.
Já a Secretaria de Envelhecimento Saudável, Qualidade de Vida e Eventos, procurada, defendeu o decreto, pois entende que os cercadinhos vips já ocorreriam sem fiscalização.
— Existe o Decreto 40711 de 8 de outubro de 2015 que autoriza os eventos nas áreas públicas e privadas do Município do Rio de Janeiro. Sem o Decreto atual, o licenciamento continuaria acontecendo, sem padrão. Esse decreto apenas padronizou as medidas de ocupação — afirmou o secretário, Felipe Michel.
Quiosqueiros lamentam
Enquanto a questão judicial segue em discussão, representantes dos quiosqueiros temem o prejuízo financeiro, já que muitos ingressos para festas, em especial nas praias de Copacabana e do Leme, já foram vendidos. Para o presidente da concessionária Orla Rio, que administra 309 quiosques da cidade, João Marcello Barreto, a decisão é frustrante.
— É ordem judicial, então, temos que obedecer. Cerca de 35 quiosques da Orla Rio estavam organizando os eventos usando a faixa de areia. Se a prefeitura, ré nesse processo, vai conseguir reverter isso eu não sei, mas vai frustrar muita gente que se empenhou, pagou e tirou a licença. Sem contar com as pessoas que compraram os ingressos — afirmou ele, sem ainda saber quais serão os próximos passos com relação aos clientes. — Soube da decisão há poucos minutos. Ainda não definimos quais procedimentos serão adotados.
Já Rosana Lameirinhas, presidente da Cooperativa dos Quiosques do Rio (Coopquiosque), entende que o município poderia dar autorizações sem passar pela União.
— No nosso entender, de acordo com o convênio firmado com a Marinha, a prefeitura tem todo o direito de outorgar licenças para o uso da areia já que o mesmo acordo é usado para outorga das licenças das barracas da areia. Vamos aguardar o recurso da prefeitura e cumprir as decisões judiciais.
Advogados concordam com decisão judicial
Advogados ouvidos pelo GLOBO concordaram com a decisão do TRF2. Para Manoel Peixinho, professor de Direito Administrativo da PUC-Rio, o decreto invadia competência da União.
— Ademais, há flagrante impacto ambiental que foi desconsiderado pela prefeitura, como aspectos técnicos relacionados à segurança e à segurança. É uma questão jurídica elementar que o município não pode dispor ou impor restrições a bens da União. O prefeito deveria ter feito um convênio com a União e de forma inteligente ter procurado um acordo para a utilização do bem federal. Para finalizar, é importante dizer que a praia, de acordo com o direito brasileiro, é um bem de uso comum do povo e não pode ser privatizado.
O professor de direito consitucional da FGV, Leonardo Vizeu, vai no mesmo sentido.
— Ao que parece, houve invasão de competências por parte do município. O ato de autorização dos cercados privativos dos quiosques na festa de fim de ano deveria ter sido comunicado às autoridades estaduais e federais e ser expedido após a anuência destes — explicou o jurista, que acredita que não haveria oposição por parte dos órgãos, caso fossem consultados com antecedência.