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Conhecida como Miami brasileira , a Barra acabou tendo em Orlando , na mesma Florida (EUA) , uma espécie de sucursal durante esse ano. Isso porque o então superintendente do bairro,Flavio Caland , exonerado nesta segunda, passou, em 2019, 91 dias na cidade americana. Ausente de reuniões e eventos da superintendência desde o fim do ano passado, Caland já vinha tendo sua atuação questionada por moradores da região, e os rumores davam conta de que ele havia se mudado para os EUA. O GLOBO confirmou, em registros da Polícia Federal , que ele esteve no Brasil neste ano em apenas 74 dias, e desde 13 de maio não retorna ao
Rio. Até julho, seus salários, acumulados, somaram R$102.508, o que representa R$1.385 por dia de presença em terras brasileiras. A Secretaria municipal da Casa Civil informou que vai instaurar uma sindicância interna para apurar o caso.
Ausente das reuniões e operações na Barra, Caland foi facilmente encontrado, porém, em grupos no facebook de brasileiros nos EUA. Na rede social é possível visualizar diversas postagens de seu perfil, agora intitulado Flavinho Luiz, anunciando a inauguração da padaria “Super Deli Bakery”, na Maguire Road, número 2910, Orlando. Os grupos mais utilizados eram “Brasileiros em Metrowest – Orlando – FL”, e “Brasileiros em Orlando”. Em 15 de abril, Caland usou a rede para pedir indicações de
padeiros, confeiteiros e lancheiros. Depois, passou a fazer vários posts sobre a inauguração do estabelecimento, no dia 20 de junho.
Em 21 de maio, ele postou a mensagem: “Pessoal em breve estaremos inaugurando uma Super Deli Bakery com conceito brasileiro em Orlando !! Estamos contratando profissionais para produção de doces, tortas e salgados ! Interessados em trabalhar mandem msg in box”. Caland também fez posts sobre outros assuntos, como no dia 8 de fevereiro, pedindo orações para as famílias das vítimas da tragédia do Ninho do Urubu.
Nesta terça, O GLOBO ligou para a Super Deli Bakery. A funcionária, que atendeu em português, confirmou que Caland era o dono da padaria, mas disse que ele não se encontrava no momento.
— Ele costuma vir todos os dias, mas ainda não chegou hoje. Ele é o dono sim — respondeu ao repórter, que se identificou como jornalista do GLOBO.
Segundo os registros da Polícia Federal, Caland foi aos EUA pela primeira vez, com o passaporte atual, em 13 de fevereiro de 2017, quando já era superintendente de Jacarepaguá. Só retornou em 2018, quando foi ao país em dois momentos, em janeiro e junho. No mês seguinte, passou três dias na Argentina. Sua estadia em Orlando, distante 7030 quilômetros do Rio, se acentuou neste ano. Ele viajou para os EUA entre os dias 8 e 19 de janeiro, depois entre 15 de março e 16 de abril e, por fim, no dia 13 de maio, sem mais retornar. No período, ele ainda teve tempo de ir para Londres, entre 22 de janeiro e 3 de fevereiro, e para o Uruguai, entre 7 e 9 de maio. Ou seja, foram 105 dias no exterior contra 74 dias no Brasil, até o dia 1 de julho, data formal de sua exoneração.
Substituído por chefe de gabinete
Funcionários da Superintendência da Barra, que pediram para não se identificar, confirmaram que Caland está, de fato, morando em Orlando.
— Ele já tinha planos de morar nos EUA há algum tempo. Parece que foram primeiro a esposa e os filhos — afirmou um funcionário.
Os presidentes de associações de moradores da região já vinham, há alguns meses, reclamando do sumiço de Caland. Apesar de não terem a informação oficial, admitem que os rumores apontavam que ele estava nos EUA. Desde o início do ano, quem vinha representando a superintendência em eventos e reuniões era a chefe de gabinete, Eduarda Santos.Simone Kopezynski, presidente da Associação de Moradores do Recreio e presidente do Conselho Comunitário de Segurança do 31º Batalhão (Barra, Recreio e Vargens), diz que a última vez que viu Caland foi em ezembro passado, numa festividade da superintendência.
— Nesse ano ele foi a apenas uma reunião do CCS, em março, que é mensal. Sempre ia outra pessoa representando a superintendência. Não sabemos onde ele está, mas todo mundo diz que ele foi morar nos EUA.
Presidente da Associação de Moradores do Parque das Rosas, Cleo Pagliosa, também confirma que a informação circulava fortemente entre a comunidade.
Não posso afirmar, mas é o comentário que circula — diz ele, que lembra que as pessoas já sabiam que a família de Caland tinha ido morar em Orlando.
Já Delair Dumbrosck, presidente da Câmara Comunitária da Barra, teve sorte maior, e conseguiu contato, por telefone, com Caland neste ano.
— Ele disse que estava no Rio. Reclamei de um caminhão que estava fazendo descarga irregularmente em frente a um supermercado, em horário impróprio, e ele tomou providência para resolver o fato. Mas nem perguntei se ele de fato estava aqui. Sei Sei que a família dele tem imóvel lá em Miami, e que ele tinha a vontade de levar a família para lá. Pelo menos é o que diziam.
Possível improbidade administrativa
A exoneração de Flavio Caland foi publicada no Diário Oficial desta segunda (22), com data retroativa para o dia 1/7. Procurada, a prefeitura inicialmente apenas respondeu que ele havia sido exonerado a pedido. Entretanto, a publicação não traz essa informação. Quando O GLOBO insistiu, informando que possuía as datas de entrada e saída de Caland do país, a Secretaria municipal da Casa Civil, então, informou sobre a abertura de sindicância:
“O Secretário Municipal da Casa Civil, Paulo Albino, informa que será instaurada uma Sindicância Administrativa nos termos do Decreto 38256/2014 (que “Institui e altera procedimentos referentes à sindicância administrativa, e da outras providências”) objetivando a devida apuração dos fatos”, respondeu em nota.
Além de ter pedido entrevista pela assessoria de imprensa da prefeitura, O GLOBO tentou contato diretamente com Flavio Caland através de dois números de celular que ele costumava utilizar, mas não obteve sucesso. Após o contato com a Super Deli Bakery, tampouco houve retorno.
O salário base de Caland era de R$10.513 mais R$5 mil de encargos especiais, totalizando R$15.513 bruto e R$11.755 líquido. Mas, como ele tirou férias neste ano, em fevereiro e março seus vencimentos foram de R$20.685 e R$20.565 bruto, respectivamente. Até janeiro, ele recebia R$14.719, mas depois recebeu o aumento de servidores. Assim, nos sete meses de julho, Caland recebeu R$102.508, bruto, e R$73.883, líquido.
Para o professor da PUC e especialista em direito administrativo, Manoel Peixinho, o caso se configura improbidade administrativa com enriquecimento ilícito, de acordo com o art. 9 da Lei 8.429/1992.
— Ele deverá devolver os valores que recebeu sem ter trabalhado. Quem nomeou também pode ser condenado solidariamente. Além da devolução dos recursos recebidos a título de salário,os responsáveis pelo ato ilícito também podem ser condenados a perda da função pública, pagamento multa, suspensão direitos políticos de oito anos a dez anos, proibição de contratar com a Administração Publica por 10 anos — explicou Peixinho.