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Média da aposentadoria na Alerj é de R$ 30 mil: quase dez vezes a de um professor

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Prestes a se aposentar, a professora Maria Matilde da Silva, que dá aulas de geografia na rede estadual, se viu em meio a um impasse. Ao descobrir o valor que iria receber, começou a percorrer escolas da rede privada, em busca de um emprego para complementar a renda. A realidade dos profissionais da educação passa longe da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj). Dados do RioPrevidência analisados pelo GLOBO mostram que, enquanto um professor aposentado no estado ganha em média R$ 3.100 por mês, um servidor inativo da Alerj embolsa em torno de R$ 30 mil. Ou seja: um funcionário que trabalhou no parlamento fluminense recebe dos cofres públicos o suficiente para bancar a aposentadoria de quase dez professores.

Atualmente, 715 pessoas aparecem na folha de inativos da Alerj. Muitos deles sequer prestaram concurso público. É o caso de Flávia Lopes Segura Graciosa, que entrou na planilha de inativos em maio, aos 55 anos. Ela é mulher de José Gomes Graciosa, conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE-RJ) afastado da função desde 2017, após a operação Quinto do Ouro , um desdobramento da Lava-Jato.

VEJA: Crivella tenta na Câmara aporte de mais R$ 1 bilhão na PrevidênciaFlávia foi incorporada ao quadro de efetivos da Alerj em 1988, meses antes da promulgação da Constituição Federal, que ocorreu em setembro daquele ano e passou a exigir aprovação em concurso público para ingresso no quadro de estatutários. Apesar do vencimento-base de R$ 10,2 mil como especialista legislativo nível IV, Flávia vai receber como aposentada o máximo permitido por lei: R$ 35.462,22.

A turbinada não configura ilegalidade, e foi possível por conta de penduricalhos como a Gratificação Adicional por Tempo de Serviço e pelo fato de ela ter ocupado o cargo comissionado de chefe de gabinete, incorporando a função à aposentadoria. O GLOBO tentou contato com Flávia por meio da Alerj, do TCE e de ex-assessores de Graciosa, mas não conseguiu localizá-la.

O teto pago a servidores e aposentados da Alerj acompanhou o aumento de 16,38% concedido pelo Congresso aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) em novembro de 2018, subindo de R$ 30.471,11 para R$ 35.462,22. Já as remunerações e proventos dos procuradores da Alerj passaram de R$ 33.763,00 para R$ 39.293,32, mesmo valor recebido pelos ministros do STF. Em tempos de discussão sobre a reforma da Previdência, a mudança faz com que o estado desembolse este ano R$ 301,8 milhões com os aposentados da Alerj, R$ 57,4 milhões a mais do que em 2018.

Alerj sem apertoBenefícios

Média do valor pago por mês
aos aposentados da Alerj
R$ 29.999,70
Maior valor pago a um aposentado da Alerj na
última folha de pagamento, referente a agosto
R$ 40.550,39
Média mensal paga aos professores
aposentados da rede estadual
R$ 3.102
Quanto
ganham outros
inativos
no estado
Média mensal paga a todos os aposentados
que recebem pelo RioPrevidência
R$ 6.500
715
R$ 301,8 milhões
aposentados recebem
atualmente pela Alerj
é o valor que o RioPrevidência desembolsará para pagar aos 715 aposentados da Alerj em 2019
ganham mais de R$ 30 mil por mês
ganham menos de R$ 10 mil por mês
244
19

Benefício de R$ 40 mil

Também em 1988, meses antes da exigência do concurso público, quem ingressou para o quadro de efetivos da Alerj foi Lídia Felgueiras Dauaire, nora do então deputado Alberto Dauaire, eleito pela coligação PMDB-PCdoB. Com vencimento-base de R$ 11,3 mil pelo cargo de especialista legislativo nível 5, ela receberá, aposentada, R$ 21,8 mil brutos por mês graças à Gratificação Adicional por Tempo de Serviço e à incorporação por ter ocupado cargo comissionado de assessor técnico parlamentar. Procurada, ela, que é mãe do atual deputado Bruno Dauaire (PSC), preferiu não comentar o assunto.

Hoje, das 715 pessoas que aparecem na folha de pagamento de aposentados da Alerj, um terço (244) ganha mais de R$ 30 mil. Um procurador, por exemplo, recebeu R$ 40,5 mil brutos na última folha de pagamento, acima do teto de R$ 39,2 mil. A Assembleia Legislativa informou que não há ilegalidade no caso, uma vez que ele tem direito ao auxílio-educação, verba para custear o ensino de dependentes que não consta para fins de teto constitucional. Em toda a folha de inativos da Alerj, apenas 19 recebem menos de R$ 10 mil por mês. Fora do serviço público, quem se aposenta pelo INSS tem direito a, no máximo, R$ 5.839,45.

Estados fora da reforma

Alheia à fartura na Alerj, a professora Maria Matilde da Silva vai se aposentar em outubro aos 58 anos, mas não poderá desfrutar a terceira idade como gostaria:

— Mesmo com o salário de professora, meus amigos volta e meia têm que me ajudar para que eu possa pagar o aluguel. Com o valor que vou receber como aposentada, então… Estou bem preocupada. Vou ter que continuar trabalhando. Uma pena que a educação seja tão pouco valorizada — lamentou a docente, que dá aulas num Ciep em Itaboraí.

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Especialista em direito constitucional e administrativo, Manoel Peixinho (PUC-Rio) explica que, juridicamente, não se pode alterar os valores pagos a quem já está aposentado, mas afirma que é necessário modificar o sistema previdenciário daqui para frente, com o objetivo de atenuar tantas disparidades.

— O Congresso Nacional estuda, dentro da reforma da Previdência, aprovar uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que fará como que os estados também tenham que promover suas reformas. Se a PEC não prosperar, caberá ao Palácio Guanabara a iniciativa de propor uma reforma estadual, que teria que abranger não só o Legislativo, mas o Executivo e o Judiciário — avaliou.

Procurada, a Secretaria de Fazenda disse que não comentaria o assunto. Em entrevista ao GLOBO em maio, o titular da pasta, Luiz Claudio Rodrigues de Carvalho, afirmou que não vislumbrava a possibilidade de uma reforma previdenciária estadual:

— Tudo o que podia ser feito aqui, já foi feito.

Estado tem previsão de rombo bilionário

Não é só com as aposentadorias que a Alerj gasta muito. O Legislativo está investindo pelo menos R$ 152 milhões na reforma de um prédio de 31 andares na Rua México, para onde pretende transferir a sua sede. Além disso, vai comprar R$ 10 milhões em móveis para o novo endereço.

Em meio a tantas despesas, o estado deve ter um rombo de R$ 13 bilhões este ano. Como se não bastasse, o Regime de Recuperação Fiscal (RRF) , que retarda o pagamento de dívidas com a União, pode não ser renovado . O Conselho de Supervisão, ligado ao Ministério da Economia, citou uma série de medidas adotadas pelo governador Wilson Witzel e por seu antecessor, Luiz Fernando Pezão, que representariam aumento de despesas não autorizadas, como a concessão de reajustes salariais e gastos com publicidade. Um componente político — o rompimento do PSL, partido de Jair Bolsonaro, com Witzel — pode agravar ainda mais a situação, tendo em vista que o presidente, em última análise, é quem dá a palavra final

Relator da CPI da Crise Fiscal na Alerj, Luiz Paulo (PSDB) diz que, se o estado não renovar o RRF, a consequência será “catastrófica”:Sem isso, quebramos.

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