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A Assembleia Legislativa do Rio aprovou nesta quinta-feira, em regime de urgência, o projeto de lei que define as regras os procedimentos de reconhecimento dos investigados nas delegacias do Rio. O texto será enviado ao governador Claudio Castro, que pode aprovar ou vetar o projeto. O texto original é de autoria dos deputados Carlos Minc (PSB) Luiz Paulo (PSD) e prevê que a representação pela prisão não pode ser feito apenas pelo reconhecimento de fotos do suspeito. Se aprovada, a Polícia Civil deverá verificar o cadastro funcional do investigado para atestar se ele não estaria trabalhando no horário da ocorrência. A lei pode por fim ao álbum de suspeitos que algumas delegacias utilizam.
O texto aprovado nesta quinta-feira é um substitutivo ao texto original e foi construído por várias frentes parlamentares. Não houve votos contrários à proposta acordada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Alerj, presidida por Rodrigo Amorim (PTB). Foram 34 emendas, que incluiu a resolução do Conselho Nacional de Justiça 482/2022. A resolução estabelece a necessidade de se ter uma polícia mais investigativa para determinar uma prisão, saber onde o suspeito estava no momento do crime, qual o álibi dele e de que maneira foi feito o reconhecimento, entre outras medidas.
As novas regras de reconhecimento fotográfico aprovadas no Rio
- O Pedido de representação de prisão deverá ser feito mediante indícios de autoria e materialidade, e não apenas com reconhecimento por fotos como suporte
- Nos delitos supostamente cometidos por várias pessoas, devem ser utilizados múltiplos alinhamentos, com apenas um suspeito por alinhamento e sem repetição de pessoas
- Deverá verificar o cadastro funcional do investigado para ratificar a confluência do horário de trabalho/ocupação com a ocorrência.
- Entrevista prévia com a vítima ou testemunha para a descrição da pessoa investigada ou processada
- Alinhamento de pessoas ou fotografias padronizadas a serem apresentadas à vítima ou testemunha para fins de reconhecimento;
- O registro da resposta da vítima ou testemunha em relação ao reconhecimento ou não da pessoa investigada ou processada
- O procedimento será integralmente gravado, desde a entrevista prévia até a declaração do grau de convencimento da vítima ou testemunha, com a disponibilização do respectivo vídeo às partes, caso solicitado.
- No procedimento investigatório de polícia judiciária o reconhecimento fotográfico deverá, em qualquer caso, ser antecedido de descrição física mínima do suspeito e de detalhes
- Sempre que se der o reconhecimento fotográfico em sede policial, não sendo possível a realização de reconhecimento pessoal, por qualquer motivo, tal fato deverá ser consignado em aditamento ao registro da ocorrência
Um dos autores do projeto, Luiz Paulo diz que o projeto foi construído com todas as correntes políticas da Alerj e que o texto não fere nenhuma legislação federal:
— O parlamento fluminense marca uma posição contrária ao racismo estrutural e institucional que permeia o conjunto das instituições públicas e privadas do país. Estamos criando procedimentos consoantes a resolução do Conselho Nacional de Justiça. Foi construído com muita conversa. Esses procedimentos não ferem nenhuma legislação federal. Não estamos fazendo justiça, estamos tentando diminuir o número de injustiças porque o racismo estrutural continua — diz Luiz Paulo, pedindo a sanção de Castro.
No texto também está previsto que “a inclusão da pessoa ou de sua fotografia em procedimento de reconhecimento, na condição de investigada ou processada, será embasada em outros indícios de sua participação no delito”. A vítima terá que descrever fisicamente o perfil do criminoso antes do reconhecimento fotográfico. Além disso, caso não seja possível o reconhecimento pessoal e a polícia entenda ser necessário a identificação pelas fotos, devem ser alinhadas outras quatro imagens de pessoas parecidas e inocentes.
Carlos Minc citou casos de inocentes que ficaram presos por meses e defende que o projeto contribui para melhorar as investigações:
— É um tema espinhoso, mas fizemos um projeto que foi unanime. Não basta prender inocentes e culpados e eles serem soltos por falta de provas. Você tem que prender os verdadeiros criminosos e ter provas para condena-los — disse o deputado.
Casos recorrentes
Em setembro de 2020, o violoncelista Luiz Carlos Justino, de 26 anos, da Orquestra da Grota, de Niterói, ficou preso injustamente por quatro dias e absolvido por falta de provas. A prisão aconteceu depois que ele foi abordado por um policial no Centro da cidade, que alegaram haver contra ele um mandado de prisão por um suposto assalto a mão armada. A única “prova” era uma fotografia que constava no livro da 79ª DP. No mesmo horário e dia, fotos e vídeos comprovaram que Justino tocava numa padaria na região oceânica de Niterói.
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É importante lutar para minorar as injustiças. Promover este grande debate é extremamente necessário. Precisamos fortalecer o trabalho dos peritos criminais. Vimos em nosso estado prisões que levaram inocentes a perda da sua liberdade, chegando a passar em média 60 dias encarcerado, até que se obtenha um habeas corpus e poder voltar ao conviver da família para responder em liberdade, tendo que provar sua inocência — sinaliza o deputado Luiz Paulo.
O projeto foi debatido pela Comissão de Representação para Acompanhar o Cumprimento das Leis da Alerj e levou em conta os estudos da Defensoria Pública do Rio, denúncias de vítimas e da ONG Educafro e um estudo publicado pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). Neste documento, fica demonstrado que os reconhecimentos fotográficos, ainda que realizado por inteligência artificial, apresentam índice de falhas de 34,7% quando se trata de pessoas negras, em contraponto a 1% quando se refere a pessoas brancas.
O objetivo do PL é reforçar a investigação e combater o racismo, prendendo os verdadeiros criminosos. É uma preguiça investigativa pegar apenas uma foto na Internet pra prender alguém — defende o deputado Carlos Minc.
Em fevereiro do ano passado, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu como ilegal a condenação de um homem pelo crime de roubo, tendo como prova apenas o reconhecimento fotográfico. O Superior Tribunal de Justiça também já ressaltou que a Corte, por unanimidade, entende que mesmo atendendo o previsto no Art. 226 do Código do Processo Penal, o procedimento não é suficiente para assegurar a autoria do delito.




