A partir de setembro, os Três Poderes estarão sob liderança de pessoas que fizeram suas carreiras no Rio. Tomara que seja, pelo menos, um estímulo para busca da harmonia
A partir de meados de setembro deste ano, quando o ministro Luiz Fux assumir a Presidência do Supremo Tribunal Federal (STF), e até o final de janeiro de 2021, quando Rodrigo Maia (DEM-RJ) deixar a Presidência da Câmara dos Deputados, o Rio de Janeiro viverá um momento raro, para não dizer inédito, em sua história. Pela primeira vez, os três poderes da República ficarão sob o comando de pessoas que, por terem construído suas carreiras no Rio, são sensíveis aos problemas do estado e da cidade
Jair Bolsonaro é o primeiro político com carreira fluminense a ocupar a Presidência da República desde que Nilo Peçanha, vice de Afonso Pena, assumiu o posto em 1909, com a morte do titular. Maia, nasceu em Santiago quando seu pai, o economista César Maia, vivia exilado no Chile e está no quinto mandato de deputado federal pelo Rio. Fux, por sua vez, foi promotor, juiz de carreira concursado e desembargador no Tribunal de Justiça do Rio antes de chegar ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e, depois, ao STF.
Trata-se, obviamente, de uma coincidência e esse alinhamento, que durará pouco mais de quatro meses, pode não gerar qualquer benefício para o estado. Afinal, o Brasil vive um momento em que os três poderes — que deveriam ser independentes e harmônicos entre si, como diz o Artigo 2º da nossa Constituição — vivem uma situação de antagonismo que também é rara, para não dizer inédita, na história da República.
A origem comum, no entanto, pode estimular e facilitar a construção da harmonia. Nesse caso, os três poderão construir, sem que isso signifique qualquer privilégio indevido, o caminho que livrará o estado das dificuldades crônicas que atravessa.
A SAÍDA DA CRISE — Sim. A cada dia que passa fica mais evidente que, sem uma ajuda federal mais incisiva, o Rio não se livrará de seus problemas. Eles só ficarão para trás se houver uma ação coordenada em que o Executivo Federal ofereça as condições e aponte o caminho, o Legislativo construa as pontes legais e o Judiciário torne a estrada segura. Inclusive para exigir o cumprimento das contrapartidas que sempre são prometidas e nunca são entregues pelos poderes estaduais. Ou seja, o problema só se resolverá se a harmonia entre os poderes for restabelecida e cada um fizer sua parte.
Pelo clima atual, essa parece ser uma hipótese distante — como mostra a queda de braços que vem sendo travada entre o Judiciário e o Executivo e que tem como pano de fundo a defesa da democracia. Se o governo tivesse agido no primeiro momento e desautorizado em alto e bom tom que os militantes falassem em seu nome e se escondessem atrás do direito de manifestação para ameaçar os outros poderes e seus integrantes, talvez a temperatura não tivesse alcançado o nível preocupante que alcançou. O que se viu, no entanto, foi que o apoio do governo pareceu estimular a má índole desses manifestantes e gerou protestos cada vez menos republicanos e mais desequilibrados. Até que, no final de semana passada, se assistiu em Brasília a cena estúpida dos fogos de artifícios atirados contra o prédio do STF.
Não adianta tentar reduzir a gravidade do gesto com o argumento singelo de que nenhum rojão atingiu o alvo. A simbologia fala por si. Diante do clima acirrado, não restou ao Judiciário outra saída que não a de mostrar sua força e dar um basta à situação. Se nada fosse feito, os militantes talvez se sentissem estimulados a cumprir as ameaças de agressão que fizeram.
RASTILHO DE PÓLVORA — Já passou da hora dos manifestantes de um lado e de outro compreenderem que, para o bem das causas que defendem, precisam acalmar os ânimos e exercer seus direitos sem ultrapassar os limites da lei. Do contrário, o Brasil poderá se tornar um ambiente tão propenso à explosão, onde qualquer fagulha pode resultar numa explosão desproporcional à fogueira que a desencadeou.
Isso, infelizmente, é comum na história. Em junho de 1914, um jovem militante separatista matou a tiros o arquiduque Francisco Ferdinando e sua mulher, Sofia, na cidade bósnia de Sarajevo. No ambiente acirrado da época, o crime, que poderia ter sido resolvido no âmbito regional, acendeu um rastilho de pólvora. Um mês depois do assassinato eclodiu a Primeira Guerra Mundial.
Aos olhos da história, a morte de Ferdinando é um acontecimento pequeno demais para ter gerado um conflito que se estendeu por quatro anos e custou a vida de 20 milhões de pessoas. A consequência teria sido outra se o ambiente já não estivesse tão propenso à explosão. O que se espera, no Brasil, é que os poderes se ajustem de forma mais harmônica — e tomara que a origem comum de seus chefes seja, pelo menos, um estímulo para a busca do entendimento.
(Siga os comentários de Nuno Vasconcellos no twitter e no instagram: @nuno_vccls)