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Na última quinta-feira, o presidente Jair Bolsonarorevelou que pretendia indicar seu filho, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), para comandar a Embaixada do Brasil nos Estados Unidos . O cargo de embaixador não precisa ser ocupado por um diplomata e o nome do ocupante do posto é de livre escolha do presidente.
Segundo o Palácio do Planalto, o Itamaraty já prepara consulta formal ao governo americano sobre a indicação de Eduardo .
A legislação brasileira estabelece que os chefes de missão diplomática permanente devem ser escolhidos entre os ministros de primeira ou segunda classe (em casos específicos) do Itamaraty, mas abre uma exceção. Também podem ocupar o posto brasileiros natos que não pertençam aos quadros do Ministério das Relações Exteriores e sejam maiores de 35 anos de idade, “de reconhecido mérito e com relevantes serviços prestados ao país”. Eduardo completou 35 anos na última quarta-feira.
O deputado tem atuado como chanceler informal e articulador das relações internacionais do pai desde antes da posse de Bolsonaro na Presidência. Ele acompanhou o presidente em quase todas as viagens internacionais desde janeiro, incluindo visitas a Estados Unidos, Israel e Argentina, e organizou, em dezembro, a Cúpula Conservadora das Américas, em Foz do Iguaçu. Eduardo, seguidor do guru da direita Olavo de Carvalho, também buscou proximidade com Steve Bannon, estrategista da campanha à Presidência de Donald Trump em 2016, que o indicou como representante do seu Movimento na América Latina.
É ou não nepotismo?
Uma das principais críticas feitas à indicação, inclusive por apoiadores do presidente nas redes sociais, é o fato de Eduardo ser o filho 03 de Bolsonaro. O presidente defendeu que a nomeação “não é nepotismo”, uma vez que, segundo afirma, o filho tem méritos para ocupar o cargo:
Ele é amigo dos filhos do Trump, fala inglês e espanhol, tem uma vivência muito grande no mundo. Poderia ser uma pessoa adequada e daria conta do recado perfeitamente — afirmou.
O PSOL, no entanto, já entrou com uma representação à Procuradoria Geral da República (PGR) pedindo investigação sobre a possível indicação. O partido alega que quer evitar “ato ilegal e imoral”.
O Supremo Tribunal Federal (STF) tem decisões díspares sobre a legalidade da nomeação de parente para cargo de natureza política. Em agosto de 2008, o plenário aprovou uma súmula que proíbe autoridades de nomearem cônjuge ou parente até terceiro grau para cargo em comissão, de confiança ou função gratificada em qualquer dos Poderes, no nível municipal, estadual e da União. Mas não especificou se a regra
vale para cargos de natureza política — como, por exemplo, ministros de Estado e embaixadores.
Depois de editada a súmula, que deve ser seguida por tribunais e pela administração pública, foram tomadas decisões diferentes sobre o assunto na Primeira e na Segunda Turmas, cada uma formada por cinco ministros do STF. Diante da disparidade na interpretação da regra, existe um recurso com repercussão geral aguardando julgamento em plenário, que reúne os 11 ministros (o presidente do tribunal não participa das turmas). Será a palavra final do Supremo sobre o assunto. Ainda não há data marcada para esse julgamento.
Os argumentos de Eduardo
O deputado defendeu em entrevistas e vídeos a possibilidade de assumir o posto de embaixador, lembrando as viagens que fez, seu papel como presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara e o fato de ter sido elogiado publicamente por Trump quando acompanhou a visita do pai a Washington, em março. Lembrou também que já compareceu a um evento do republicano em sua casa de Mar a Lago, na Flórida.
O deputado afirma que em Washington teria acesso direto ao ocupante da Casa Branca para defender os interesses brasileiros, e que sua nomeação seria um recado de que as relações entre Brasília e Washington são fortes.
— Não sou um filho de presidente que está do nada vindo a ser alçado a essa condição. Tenho uma vivência pelo mundo, já fiz intercâmbio, já fritei hambúrguer lá nos Estados Unidos. Não é por ser filho do presidente da República que ele vai me colocar numa vida boa na embaixada — afirmou o deputado. — Pelo lado americano, vai ser visto com bons olhos. É só você imaginar o Macri [Mauricio Macri, presidente da Argentina] mandando seu filho para ser embaixador aqui no Brasil. Seria um recado, uma posição firme de que as relações não estão só no discurso.
O que dizem os críticos da nomeação
Os críticos lembram que a nomeação do filho de um presidente para o posto diplomático mais importante no exterior seria inédita na história brasileira. Diferentemente do que ocorre nos Estados Unidos — onde é comum que apoiadores políticos e doadores de campanha sejam recompensados com embaixadas —, no Brasil pelo menos desde o fim da República Velha o posto em Washington foi ocupado por diplomatas de carreira ou por pessoas com longa experiência na vida pública, como o banqueiro Walther Moreira Salles (no segundo governo de Getúlio Vargas e no governo de Juscelino Kubitschek).
A aposta do presidente de que enviar para Washington alguém alinhado com as ideias de Trump resulte em ganhos para o Brasil é posta em dúvida por analistas.
— A própria visão nacionalista do Trump dificulta esse tipo de barganha — afirma Maurício Santoro, professor de Relações Internacionais da Uerj. — Eles (os americanos) veriam com estranhamento a nomeação. Não é o que se espera do Brasil, que tem uma diplomacia profissional muito respeitada. Seria visto como um sinal dessa fragilidade institucional que tem sida vista nos últimos anos, da instabilidade política no país.
Matias Spektor, professor de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas,concorda que a indicação de Eduardo daria ao Brasil um acesso “único” à Casa Branca, mas diz que isso não traria só vantagens:
Como embaixador, ele teria acesso inigualável ao presidente americano. Ele chegaria com esse grau de acesso que, de longe, seria o maior grau de acesso de um embaixador da América Latina em Washington — afirma. — Por outro lado, o papel do embaixador em Washington também é de resolver crises. E isso demanda que o embaixador do Brasil seja duro com o governo americano ao defender interesses brasileiros. Isso é um problema para o Eduardo, que deu sinais de apoio incontestável ao Trump. A capacidade que ele terá de comunicar más notícias e partir para a briga fica muito limitada.
Indicação tem que passar por Senado
A nomeação dos embaixadores precisa ser aprovada pela Comissão de Relações Exteriores (CRE) do Senado e pelo plenário da Casa, onde há resistências ao nome de Eduardo para a embaixada em Washington. Levantamento feito na terça-feira pelo GLOBO mostra que, dos 17 integrantes titulares da CRE, cinco afirmaram que se posicionariam contra a nomeação e quatro a apoiariam. Seis parlamentares preferiram não se posicionar. Dois senadores não retornaram.
Entre os pontos negativos citados pelos senadores contra a indicação de Eduardo está a falta de preparo. De acordo com um deles, a indicação seria uma “desmoralização” dos embaixadores de carreira do Brasil. Já entre os parlamentares que defendem a nomeação do filho de Jair Bolsonaro, a aproximação com o presidente dos Estados Unidos, Donald
Trump, é vista como um trunfo. Eles também defendem que, mesmo que Eduardo não tenha tanta experiência com a diplomacia, ele estará cercado de diplomatas capacitados, que podem auxiliá-lo.
Antes de ser submetido ao Senado, o nome de Eduardo Bolsonaro precisa receber o chamado agrément do governo americano, após pedido formal do governo brasileiro. O rito para a nomeação dos embaixadores prevê que o país que os recebe aprove a indicação antes mesmo de ela ser formalizada – o mecanismo foi estabelecido pela Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas e normatizado no Brasil por meio de um decreto de 1965.
Deputado terá que renunciar ao mandato
Eduardo Bolsonaro será obrigado a renunciar ao mandato de deputado federal se for para Washington servir como embaixador, como deixou claro o ministro do STF Marco Aurélio Mello, lembrando que a missão dele no exterior será permanente, e não temporária.
O artigo 56 da Constituição diz: “Não perderá mandato o deputado ou senador investido no cargo de ministro de Estado, governador de Território, secretário de Estado, do Distrito Federal, de Território, de Prefeitura de Capital ou chefe de missão diplomática temporária”.
O deputado já pediu um parecer jurídico sobre o momento da renúncia — se quando ele for nomeado ou apenas depois de ter seu nome aprovado pelo governo americano (que precisa conceder o agrément) e pelo Senado.