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Medida Provisória assinada por Bolsonaro acaba com o trabalho dos assistentes sociais dentro dos postos. Para defensor público da União, população pobre e analfabeta será a mais prejudicada
A extinção do serviço social dentro dos postos do INSS em todo país – prevista na Medida Provisória 905, assinada pelo presidente Jair Bolsonaro -, vai deixar sem informação e amparo uma parte da população que encontra no assistente social o caminho para saber sobre seus direitos previdenciários, inclusive em relação a concessão de benefícios. Entre eles o de Prestação Continuada, pago a idosos e deficientes de baixa renda, que equivale a um salário mínimo, hoje R$ 998. A decisão do governo pegou de surpresa um leque de pessoas, entre servidores, gestores, representantes sindicais, segurados e a Defensoria Pública da União.
“O serviço social realizado dentro do INSS é de grande importância. O Brasil ainda tem um alto grau de analfabetismo. A exclusão digital então é uma realidade ainda mais perversa. Sem pessoas preparadas para atender tanta gente que não sabe minimamente dos seus direitos, os direitos destas pessoas fica inviabilizado”, adverte o defensor público da União, Thales Arcoverde Treiger. Para se ter uma ideia, hoje em todo Estado do Rio existem 118 assistentes sociais. No país esse número chega a 1.596.
“Com a MP 905 esperamos um aumento ainda maior pelo atendimento da Defensoria. Nem sempre conseguimos atender a estas pessoas que ficam perdidas, sem ter a quem recorrer. Isso tudo ainda possibilita que aproveitadores ajam para atuarem como procuradores e que acabam se beneficiando desta parcela da população que é a mais vulnerável”, alerta o defensor público Thales Treiger.
Procurados, Ministério da Economia, INSS e Secretaria de Previdência não responderam aos questionamentos de O DIA sobre o fim do serviço social nos postos.
Três casos onde o serviço social foi primordial
O DIA vai contar o caso de três mulheres que tiveram – ao que elas denominam – “anjos” para ter o benefício e poder dar um mínimo de dignidade a seus filhos e à própria vida. “Não tem direito”. Essa foi a frase que acompanhou Ezilene Cunha da Fonseca, a Ziza, de 32 anos de idade, mãe do jovem Andray Antony, 12, por anos. O pequeno Andray, com apenas 1 ano e nove meses, foi diagnosticado com paralisia cerebral, síndrome de deleção 1T36, e outras anomalias que dificultam fala, locomoção e outras atividades.
A condição do menino e da sua mãe – que se enquadram em baixa renda – dá direito ao Benefício de Prestação Continuada (BPC) do INSS, que equivale a um salário mínimo, hoje R$ 998. Mas a concessão do benefício, que deveria ser ágil, até mesmo por uma questão de humanidade, se prolongou por quase dois anos, com sucessivas negativas do instituto na concessão do benefício.
O suplício de Ziza, mãe do jovem, somente chegou ao fim quando uma assistente social do INSS fez o devido acompanhamento do caso, orientou na juntada de documentos, laudos, exames, e no pedido do benefício previdenciário. Que enfim foi concedido. “O benefício do meu filho só foi possível por causa da ajuda da assistente social, muitas mães nas mesmas condições que eu, nem sabem que têm direito e como proceder no INSS”, aponta Ziza.
O caminho de Priscila Justen, 38, mãe do pequeno Theo Justen, de 6 anos, não foi mais tortuoso porque uma dupla de assistentes sociais de Volta Redonda, no Sul Fluminense, entrou em campo e deu todo o suporte para que ela conseguisse o BPC. O menino Theo tem autismo e demanda atenção e cuidados em tempo integral. “Não sabia que tinha direito a receber o benefício e graças a uma palestra do serviço social na minha região, pude tomar conhecimento e dar entrada no benefício”, conta Priscila, que é enfermeira e está desempregada.
“Quando passei a ficar mais com o Theo e com o atendimento de uma equipe multidisciplinar, que tem fonoaudióloga, terapeuta, psicóloga, ele começou a se desenvolver bem melhor. Aos quatro anos ele começou a falar”, conta emocionada. “É uma tristeza se o serviço social do INSS acabar. Muitas pessoas, como eu, ficarão sem ajuda”, lamenta. E acrescenta: “O valor do benefício já é baixo, ele muitas vezes não cobre as despesas que uma criança especial tem. Imagina quem não tem esse auxílio”, afirma.
Aos 65 anos de idade, a moradora de Campo Grande Jorcilene Langoni, teve que recorrer ao benefício de R$ 998. Ela conta ao DIA que recebia uma Bolsa Família de R$ 89 todos os meses, quando em uma consulta de rotina, o médico afirmou que ela não teria mais condições de trabalhar e a orientou a procurar o Centro de Referência da Assistência Social (Cras), que tem em todos os municípios.
“Procurei o Cras e lá tive a informação de que deveria ir ligar para agendar atendimento no INSS”, conta
Jorcilene, que mesmo morando em Campo Grande só conseguiu vaga para atendimento em Angra dos Reis, uma distância de 111 quilômetros. Uma viagem que seria de 1h50 de carro, de ônibus leva 3h. E com uma bolsa de apenas R$ 89 é de se imaginar o sacrifício feito pela segurada. “Saí de casa às 4h da madrugada e só voltei às 20h”, diz. “Somente com a ajuda da assistente social consegui ter meu benefício. Ele não dá pra muita coisa porque tomo muitos remédios, mas ajuda muito”, finaliza Jorcilene.
Muitos desconhecem o papel do servidor
Afinal, qual o papel do serviço social no INSS? Segundo um assistente social do instituto, que pediu para não ser identificado, seu papel é “esclarecer os usuários os seus direitos previdenciários e sociais e como exercê-los de forma individual e coletiva”. Dessa forma, acrescenta, é estabelecida uma relação visando a solução dos seus problemas na Previdência.
“Na atual conjuntura vivida dentro do INSS de repasse do atendimento aos canais remotos (telefone e internet), o serviço social é um dos últimos espaços de atendimento presencial para a população, em especial para idosos, pessoas com deficiência e pessoas com dificuldade de acesso digital”, acrescenta.
De acordo com Pedro Américo Turl, diretor do Sindisprev, o trabalho desempenhado pelos servidores que são assistentes sociais, é fundamental para acompanhar os menos favorecidos. “Jogaram todos os serviços para a internet, antes uma pensão por morte que era concedida na hora – caso os documentos estivessem corretos – agora leva até quatro meses”, reclama Turl. “Criou-se uma fila virtual monstruosa, onde segurados amargam longas esperas, e o trabalho do servidor, ao invés de ter alguma melhora, está mais precarizado”, adverte.
Circula na internet o abaixo-assinado virtual ( http://chng.it/qSrcQ249) para sensibilizar o governo sobre a importância e relevância do trabalho prestado por assistentes sociais no INSS.
Medida pegou funcionalismo de surpresa
O gestor de uma região contou ao DIA que a extinção do serviço social pegou todos de surpresa e até o momento nem eles mesmos sabem o que vai ser feito com esses servidores e como será a prestação do serviço. “Talvez queiram tirar a parte social da Previdência e deixar só as execuções de processos. Não sabemos. A única certeza é que dependemos muito da parte social do INSS e a saída destes servidores deixará uma lacuna que não saberemos como preencher”, lamenta o gestor.
Em nota, o Conselho Federal de Serviço Social (CFESS) diz repudiar essa ação do governo. “Ao extinguir este serviço, o governo está eliminando um direito básico da população usuária, que busca o Serviço Social do INSS”. O conselho informa ainda que está analisando quais são as possibilidades jurídicas a serem tomadas para impedir o fim do serviço no INSS.